quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Tentativa & Erro

32.
32 foi o número de vezes que cai durante a aula naquela manhã.
Algo terrivelmente inaceitável para alguém do meu nível. Para alguém que tinha a minha perfeição.



Cai porque não estava concentrada. O balé exige corpo e mente alinhados, como os versos de um soneto. Eu estava mais para uma dissertação confusa de um aluno do ginásio, naquela manhã.
Passei a noite em claro em virtude de outro erro cometido durante o dia anterior. Seria eu um ser tão diabolicamente ruim, ou estaria apenas desaprendendo a ser perfeita ?

Talvez um pouco dos dois.

Nunca soube explicar ao certo o porquê, mas o fato é que jamais gostei de errar, fosse o que fosse. Por isso, concentrei meus esforços em duas coisas: nunca errar e nunca deixar de tentar acertar. Fiz de tudo para ser perfeita em todas as áreas da minha vida.

O balé era a minha máxima demonstração de perfeição. Eu nunca desisti de um movimento até que ele estivesse magnífico.
Também era perfeccionista na escola, o que sempre me rendeu as maiores notas e o histórico escolar mais brilhante.

Nunca tive muito o que dizer sobre meus relacionamentos. Em todos eles o cara terminava me dizendo que eu era "perfeita demais" ou que ele supostamente não estaria "no mesmo nível que eu". Mas eu nunca me importei de verdade com isso.

Até que o conheci.

Ele foi exatamente o que pedi em meus mais profundos sonhos. Ele não era perfeito para o mundo como eu tentava ser diariamente: ele era perfeito para mim e isso bastava.

Eu o amava mais do que a tudo na minha vida. Se antes queria que eu e tudo ao meu redor estivessem milimetricamente sincronizados e idealmente as coisas fluíssem sempre da melhor maneira possível, agora isso já não me importava. Eu precisava apenas ser a melhor para ele. Era a única coisa no mundo na qual eu não poderia fracassar.

Mas fracassei.

Eu errei, como todo ser humano erra. Errei sem a intenção de fazê-lo. Errei tentando acertar. Na verdade, creio que meu erro tenha sido justamente pensar que estava agindo da forma mais correta quando, na realidade, eu havia ignorado fatos e possibilidades evidentes e colocado tudo em risco. 

Porém o que mais doeu não foi não ter fracassado. A dor maior foi tê-lo decepcionado.

Por isso não dormi à noite e errei 32 vezes durante a aula no dia seguinte. Eu não conseguia focar em nada além do que havia acontecido. Eu não conseguia esquecer a frustração dele diante da minha imperfeição, do meu erro. Aquilo era como uma faca que me cortava em diversos lugares do meu corpo, profunda e simultaneamente. Eu me sentia impotente por ter falhado com ele e por não poder fazê-lo feliz da forma como ele merecia.

Chorei. Chorei sem me preocupar se outros ouviriam ou o que pensariam. Eu havia pedido perdão, mas apenas isso não seria suficiente e eu sabia disso. Ele precisava mais do que apenas um pedido de desculpas. Ele precisava que eu crescesse, que parasse de encarar as coisas e pessoas ao meu redor como meras probabilidades de erro e acerto na minha "vida perfeita". Eu precisava amadurecer para aceitar minhas fraquezas e aprender a conviver com elas, ao invés de tentar corrigi-las a todo custo. Ele precisava que eu fizesse isso por mim, que entendesse isso por mim para que depois fizesse por ele. 

Ele não queria que eu mudasse. Queria apenas que eu aprendesse com os meus erros ao invés de somente aprender como fazer para que eles não voltassem a se repetir. É confuso, eu sei, mas é como aprender um novo passo: você olha e tenta. Erra, cai, levanta e tenta de novo, de um jeito diferente para tentar não cair outra vez. Mas você só consegue realmente fazer o passo depois que entende como ele funciona. O que eu estava fazendo era olhar o passo e afastar de mim todas as técnicas que pudessem dar errado quando eu tentasse fazê-lo, quando na verdade, deveria estar prestando atenção em entender o que era preciso para que ele desse certo. 

Prometi a mim mesma que jamais o magoaria de novo. Não o queria de jeito nenhum longe de mim, mas para isso, precisaria aprender a entendê-lo como no passo de balé. 
Prometi também que aprenderia a aceitar as minhas derrotas. Não sou perfeita e muito menos deveria ser. Não posso me comparar a ninguém porque a cada vez que eu olhar para o lado verei uma pessoa acima ou abaixo de mim, porque o que é perfeito para mim pode não ser perfeito para você.

Percebo agora que ele está me ensinando. É como se pegasse na minha mão e dissesse: olhe para mim, coloque um pé à frente do outro e não tenha medo de cair. Eu estou por perto e vou te segurar. 

Amanhã eu voltarei para a aula de balé usando sapatilhas novas, menos altivas, mais discretas. Por mais que a vergonha de cair me pareça terrível, ele não rirá de mim. E, caso venha a rir, talvez seja um sinal de que me perdoa e me aceita de volta. Dessa vez imperfeita, cheia de erros e falhas, mas disposta a aprender a minimizá-las do jeito certo.

Acabo de perdoar a mim mesma pelo que fiz. Será que ele me perdoa ?

Não há dor maior nesse mundo do que magoar quem realmente se ama. Não há placebo maior do que sentir a distância de quem se ama para curar as próprias feridas.




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