domingo, 26 de setembro de 2010

Fugas Refletidas

Era dia.

Mas não para ela.

Estava um Sol incrivelmente lindo, de primavera. O cheiro das flores, a maioria ainda pequenos botões, enchia de beleza a cidade.
Mas ela era incapaz de enxergar, ou sequer de aspirar todo aquele tom sutil que surgiu naquela manhã. Para ela, tudo era cinza.

Ali, de pé como estava,em frente àquele prédio inteiramente espelhado, o que ela via não era a mulher imponente que costumava retribuir o sorriso do outro lado do espelho. Aliás, hoje não havia nem ao menos um esboço de sorriso. O que se contemplava era o reflexo de uma menina indefesa, acuada e de olhos azuis profundamente tristes.



Os olhos. Facilmente comparados à imensidão de um oceano, perdoem-me o clichê, principalmente naquela manhã. O que se via neles, entretanto, era uma fria noite de inverno. Não nevava, não havia nada branco. O céu era completamente escuro. E chovia sem parar. O vento uivava e a chicoteava intensamente.

Ela não se movia e a tempestade piorava a cada instante. Olhava para o nada, mas ele não retribuía-lhe o olhar. Tinha vontade de chorar, mas já estava seca por dentro. Pela primeira vez na vida, ela não sabia o que fazer e já estava quase perdendo a vontade de agir.



Não havia ninguém ao seu redor. Nada além da morta vida da cidade cinza. Como sair de lá ? Como esquecer aquele frio terrível ?
Finalmente ela caminhou. Mas deveria ter ficado parada. Em cada reflexo para o qual se voltava, seu coração doía. Uma mulher numa cama branca, refletida num caco de vidro; um menininho imóvel no asfalto com os olhos azuis petrificados, refletido num pára-brisa ; uma mulher com uma lágrima de decepção a escorrer-lhe pelo rosto, refletida numa porta de vidro; um homem a sorrir refletido numa poça formada pela água da chuva, na qual ela fez questão de pisar com força.

Por último, ela pegou o espelho que carregava consigo mesma e o encarou.
Não reconheceu prontamente seu próprio rosto,mas depois relembrou-se de cada contorno de sua face. Caiu de joelhos em meio a todo aquele insuportável silêncio. Respirou.

De volta ao seu exterior, continuava a visualizar a menina,mas desta vez, ela dançava timidamente. Parou de olhar seu reflexo e correu. Sentiu os cheiros e o calor do Sol de primavera. Sorriu, sentou no pedacinho de grama em meio às pistas da Avenida. Fechou os olhos. Houve um estampido. Não os abriu mais.



0 comentários:

Postar um comentário

Toda crítica construtiva engrandece. Diz aí :

 

©2009 BambaLoucos | by TNB